Dr. Lais Marques da Silva
Ex-Custódio e Presidente da JUNAAB
Estar livre para progredir na vida é tão importante quanto o ar que respiramos, mas é preciso lutar pela liberdade porque que ela não chega por si mesma. A libertação, que abre para novos horizontes, exige esforços e, às vezes, reparações. Vamos nos reportar a um episódio da Guerra de Troia, relatado por Homero, e que bem exemplifica o que acabamos de afirmar.
Para ajudar a entender esse ponto tão importante do processo de recuperação do alcoólico, é oportuno relatar uma, das muitas histórias dos antigos gregos, contada por Homero. Antes porém, é preciso relembrar que o poeta épico Homero eternizou lendas e ensinou a respeito de séculos de tradições e é presumível que tenha vivido nos anos 600 antes de Cristo, quando descreveu os fatos ligados à Guerra de Troia, ocorridos nos anos 1100, também antes de Cristo. A ele se atribui a autoria dos poemas: Ilíada e Odisseia, lidos por mais de dois mil anos e que reconstituem, com riqueza de detalhes, a civilização grega.
O relato que vem ao caso é o que se segue. Menelau, rei de Esparta, cidade da Grécia, e marido de Helena, aquela que foi raptada e cujo rapto deu origem à Guerra de Troia, ao regressar à sua terra, após a vitória conquistada ao longo de dez anos de luta contra os troianos, fez uma parada no Egito com o seu navio, talvez para reabastecimento, e de onde teria que partir para continuar a longa viagem de volta para casa. No entanto, ao reiniciar a viagem de retorno, teve um problema muito sério. É que, ao norte do delta do rio Nilo, próximo à ilha de Faros, deparou-se com uma completa calmaria, uma dificuldade incontornável que não dava condições de progredir na viagem, uma total falta de ventos para impulsionar as velas da nau e, em consequência, o navio não progredia. Vencedor de uma grande guerra, estava então completamente impotente e sendo derrotado por uma simples falta de ventos. Estava paralisado.
Entendeu que havia algo de errado e imaginou que poderia ter ofendido algum deus e tentou apaziguar as entidades de que se lembrava, mas nada de vento. Foi quando surgiu uma ninfa, filha do Velho do Mar, Proteu, e disse a Menelau que ele, o velho, sabia da causa da calmaria. Aconselhou-o a segurar o pai para conhecer o motivo da calmaria. Mas advertiu que isso era muito difícil e seria necessário fazer um grande esforço porque Proteu se transformava continuamente podendo tomar a forma de diversos animais, de água, fogo, etc. Era preciso lutar, fazer o esforço que fosse necessário para superar essa enorme dificuldade, porque, de outra forma, não voltaria para casa. Lutar para ter conhecimento, consciência plena, dos fatos anteriormente ocorridos, fazer um inventário. Menelau, com a ajuda de outros companheiros, armou uma emboscada na praia para capturar o Velho do Mar quando ele aparecesse. Conseguiram capturá-lo mas a luta foi grande porque Proteu se transformava continuamente em serpente, em leão feroz, em tigre, em água corrente e, por fim, em árvore e foi aí que Menelau o enlaçou pelo tronco, firmemente. Cansado de tantas transformações, Proteu voltou à sua forma inicial e foi então interrogado. Revelou que o navio estava sendo paralisado por haver ele, Menelau, deixado de fazer oferendas em agradecimento aos deuses egípcios e disse que era preciso navegar de volta, ir ao ponto em que houve a falta e fazer os indispensáveis sacrifícios, as reparações. Menelau seguiu a orientação e conseguiu finalmente a liberdade.
O relato do que aconteceu a Menelau ajuda a entender, em toda a sua dimensão, o quanto é necessário se libertar de injunções, de fatos da vida ocorridos no passado, sendo para isso indispensável retornar e procurar dar, na medida possível, uma solução para problemas mal conduzidos nas nossas vidas. Coisas que permanecem incomodando, causando desconforto, tirando a paz e dificultando o desenvolvimento pleno das nossas capacidades ou mesmo nos paralisando. É preciso, de algum modo, retornar, voltar para resolver o que ficou faltando, e isso, depois de passado o tempo necessário para ficar livre das imposições daquele momento. A reparação é realmente um retorno que se faz a um momento do passado, estando-se presentemente fora das circunstâncias em que os fatos desagradáveis ocorreram, estando livre das pressões e necessidade do momento, livre das injunções.
Após muito esforço, Menelau descobriu que precisava fazer reparações para conquistar a liberdade. Essas reparações não poderiam ser feitas em frente à ilha onde estava parado. Tinha que voltar ao local onde se comportara de maneira errada, ao local que deixara para trás e dele havia esquecido. Só se voltasse para trás poderia navegar em direção ao futuro. Mas teve que se empenhar para agarrar o Velho do Mar, mesmo quando ele se transformava ao longo do tempo, e só depois disso é que poderia ficar livre. Temos que fazer as reparações necessárias para nos reconciliarmos com o passado, e lutar no presente para poder ter um futuro.
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